Porque as 'fake news' podem decidir as eleições de 2018?
Enxurrada de notícias falsas nas redes levam autoridades brasileiras a discutir leis para combater o problema. Especialistas, no entanto, alertam para riscos à liberdade de expressão.
O juiz Sérgio Moro é filiado ao PSDB. Os tucanos querem acabar com o Bolsa Família. O filho do ex-presidente Lula é o dono do frigorifico JBS. A ex-presidente Dilma Rousseff tentou o suicídio ao se ver encurralada pelo impeachment. O delator Alberto Yousseff foi encontrado morto na véspera das eleições de 2014.
Essas são algumas notícias falsas, ou fake news, que poluíram as redes sociais e aplicativos de comunicação como o Whatsapp no Brasil nos últimos anos. Elas muitas vezes partem de sites ou perfis que imitam o estilo jornalístico de alguns veículos da imprensa e têm como alvo personagens reais. Seu objetivo é confundir o público ou aumentar a rejeição a uma ideia ou pessoa – ou, em alguns casos, aumentar a popularidade de alguém.
Na era digital, com uso de robôs ou bots, a disseminação desses boatos ganhou ainda mais velocidade. Em alguns casos, os criadores parecem ter objetivos políticos, mas, em muitos outros, a motivação parece ser o lucro gerado pelo cliques que essas notícias sensacionalistas despertam entre os usuários.
Agora, em um ano de eleições gerais, a influência desse tipo de mentira na internet tem provocado preocupação na Justiça Eleitoral e na Polícia Federal. Não restrito ao Brasil, o fenômeno da disseminação das fake news nas redes sociais ganhou relevância em pleitos nos EUA e em países da Europa nos últimos dois anos. De acordo com pesquisa da agência We Are Social, 87,7% dos brasileiros são usuários ativos de redes sociais no Brasil e podem ser expostos às notícias falsas.
Os efeitos
Já em abril de 2016, um levantamento feito pelo Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas de Acesso à Informação (Gpopai-USP) apontou a penetração desse tipo de conteúdo. Três das cinco notícias mais compartilhadas pelos brasileiros no Facebook durante a semana decisiva do impeachment eram claramente falsas. Eram matérias com títulos como "Presidente do PDT ordena que militância pró-Dilma vá armada no domingo: 'Atirar para matar'" que foram originadas em sites com nomes como Diário do Brasil e Pensa Brasil.
Em setembro de 2017, o Gpopai-USP apontou que 12 milhões de perfis online compartilham regularmente notícias falsas nas redes sociais no Brasil. Nem todos os perfis são de pessoas reais. Muitos são os chamados bots, mantidos por programas automáticos. Um estudo da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da FGV apontou que esses perfis pré-programados foram responsáveis por mais de 20% das interações no Twitter relacionadas à greve geral de abril de 2017.
Yasodara Córdova, pesquisadora da Digital Kennedy School, da Universidade Harvard, nos EUA, vê com desconfiança iniciativas estatais para conter as fake newsque passam pela retirada e censura de conteúdo nas redes sem qualquer discussão. "Existe um desejo de regular o discurso em redes sociais que não é antigo. Vários congressistas, associados às autoridades policiais e militares, buscam maneiras de rastrear e punir cidadãos que falem mal de políticos online. Mas com as fake news, até certos grupos mais progressistas caíram na tentação de colocar a culpa do discurso extremista em redes sociais dando a desculpa perfeita para que autoridades e políticos proponham a censura como solução para o problema dos boatos e mentiras", disse.
Tanto Ortellado quanto Córdova afirmam que é melhor nenhuma legislação extra do que iniciativas que podem corroer a liberdade de expressão, mesmo que isso signifique conviver por enquanto com algum grau de fake news. "A resolução do problema pode passar pela modernização do judiciário e diminuição na demora do julgamento de denúncias de descumprimento da lei eleitoral. Um reforço das penas para partidos e políticos que fizerem o uso de notícias falsas, ou roubo de identidade, ou até robôs ilegais, com consequências como perda do mandato, também podem servir como parte da solução", disse Córdova.
Ela também aponta que seria eficiente proibir a prática do zero rating – termo que define a prática de operadoras em disponibilizar acesso gratuito a determinadas redes sociais ou apps de mensagens. "Ela dá ao Facebook e ao Whatsapp a preferência desleal no uso da Internet. Como eles são de uso gratuito, sem consumo da banda contratada, o eleitor tende a ficar nessas redes e não consultar os sites de políticos para ver propostas, ou checar notícias, etc. Até mesmo uma consulta no Google pode ficar mais cara do que abrir um perfil no Facebook", afirmou Córdova.
Córdova também criticou a solução alemã para o problema. "Na Alemanha o que aconteceu foi que a regulamentação colocou no colo das plataformas a responsabilidade por julgar se é uma notícia falsa ou não. Não podemos correr esse risco no Brasil. A responsabilidade sobre o conteúdo postado em plataformas não é do provedor de serviços, segundo o Marco Civil. Não acredito que o combate a rumores e boatos, bem como notícias falsas, passe pela censura imediata, sem o devido debate e julgamento próprio", disse.
Já Ortellado aponta que as fake news são o sintoma de um problema mais amplo, e não o problema em si. "A polarização contribui para sua criação e disseminação", disse. "A gente precisa de mais transparência nas plataformas, mas também muita campanha de conscientização entre os usuários, de mais consciência crítica. A difusão dessas notícias depende de nós, que estamos muito polarizados e apaixonado por nossas posições. Nesse ponto, as fake news fazem parte da guerra política. A solução ampla é educar os usuários e a população. Temos um problema real, mas uma regulamentação estatal pode ter um efeito ruim sobre a liberdade de expressão", conclui Ortellado.
Traduzido por Leon Alves Corrêa
em 1/4/2018
fonte: http://www.dw.com/pt
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